quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Não ofereçamos resistência à sua primeira vinda, para não termos de recear a segunda


Então todas as árvores das florestas exultarão diante da face do Senhor porque veio, veiojulgar a terra (Sl 95,12-13). Veio primeiro e virá depois. Esta sua palavra ressoou pela primeira vez no evangelho: Vereis sem demora o Filho do homem vir sobre as nuvens (Mt26,64). Que quer dizer: Sem demora? O Senhor não virá depois, quando os povos da terra se lamentarão? Veio primeiro em seus pregadores e encheu o mundo inteiro. Não ofereçamos resistência à primeira vinda, para não termos de recear a segunda.

Que, então, devem fazer os cristãos? Usar do mundo; não servir ao mundo. Como é isto?
Possuindo, como quem não possui. O Apóstolo diz: De resto, irmãos, o tempo é breve; que os que têm esposa sejam como se não a tivessem; os que choram, como se não chorassem; os que se alegram, como se não se alegrassem; os que compram, como se não possuíssem; e os que usam do mundo, como se não usassem; pois passa a figura deste mundo. Eu vos quero sem inquietações (1Cor 7,29-32). Quem não tem inquietações, aguarda com
serenidade a vinda de seu Senhor. Pois, que amor ao Cristo é esse que teme sua chegada?
Irmãos, não nos envergonhamos? Amamos e temos medo de sua vinda. Será que amamos?
Ou amamos muito mais nossos pecados? Odiemos, portanto, estes mesmos pecados e amemos aquele que virá castigar os pecados. Ele virá, quer queiramos, quer não. Se ainda não veio, não quer dizer que não virá. Virá em hora que não sabes; se te encontrar preparado, não haverá importância não saberes.

E exultarão todas as árvores das florestas. Veio primeiro; depois virá para julgar a terra; encontrará exultantes aqueles que creram em sua primeira vinda, porque veio.

Julgará com equidade o orbe da terra, e os povos em sua verdade (Sl 95,13). Que significam equidade e verdade? Reunirá junto a si seus eleitos para o julgamento; aos outros separá-los-á dos primeiros; porá uns à direita, outros à esquerda. Que de mais justo, de mais verdadeiro do que não esperarem misericórdia da parte do juiz, aqueles que não quiseram usar de misericórdia antes da vinda do juiz? Quem teve misericórdia, será julgado com misericórdia. Os colocados à direita escutarão: Vinde, benditos de meu Pai, recebei o reino que vos foi preparado desde a origem do mundo (Mt 25,34). E aponta-lhes as obras de misericórdia: Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber etc. (Mt 25,34-46).

Por sua vez, que se aponta aos da esquerda? Sua falta de misericórdia. Para onde irão? Ide para o fogo eterno (Mt 25,41). Esta palavra suscita grande gemido. Que diz outro salmo?
Será eterna a lembrança do justo; não temerá escutar palavra má (Sl 111,6-7). Que quer dizer: escutar palavra má? Ide para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos (Mt 25,4). Quem se alegra com a palavra boa, não temerá escutar a má. É esta a equidade, a verdade.

Porque és injusto, não será justo o juiz? Ou porque és mentiroso, não será veraz a verdade?
Se queres, porém, encontrar o Misericordioso, sê tu misericordioso antes de sua chegada: perdoa, se algo foi feito contra ti, dá daquilo de que tens em abundância. Donde vem aquilo que dás, não é dele? Se desses do que é teu, seria liberalidade;quando dás do que é dele, é devolução. Que tens que não recebeste? (1Cor 4,7). São estes os sacrifícios mais aceitos por Deus: misericórdia, humildade, louvor, paz, caridade. Ofereçamo-los e com confiança esperaremos a vinda do juiz que julgará o orbe da terra com equidade, e os povos em sua verdade (Sl 95,13).

Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Ai da alma em que não habita Cristo

Deus outrora, irritado contra os judeus, entregou Jerusalém como espetáculo aos gentios; e foram dominados por aqueles que os odiavam; não havia mais festas nem oblações.De igual modo, irado contra a alma por ter transgredido o mandamento, entregou-a aos
inimigos que a seduziram e a deformaram.

Se uma casa não for habitada pelo dono, ficará sepultada na escuridão, desonra, desprezo, repleta de toda espécie de imundícia. Também a alma, sem a presença de seu Deus, que nela jubilava com seus anjos, cobre-se com as trevas do pecado, de sentimentos
vergonhosos e de completa infâmia.

Ai da estrada por onde ninguém passa nem se ouve voz de homem! Será morada de
animais. Ai da alma, se nela não passeia Deus, afugentando com sua voz as feras espirituais da maldade! Ai da casa não habitada por seu dono! Ai da terra sem o lavrador que a cultiva!
Ai do navio, se lhe falta o piloto; sacudido pelas ondas e tempestades do mar, soçobrará! Ai da alma que não tiver em si o verdadeiro piloto, o Cristo! porque lançada na escuridão de mar impiedoso e sacudida pelas ondas das paixões, jogada pelos maus espíritos como em
tempestade de inverno, encontrará afinal a morte.

Ai da alma se lhe falta Cristo, cultivando-a com diligência, para que possa germinar os bons frutos do Espírito! Deserta, coberta de espinhos e de abrolhos, terminará por encontrar, em vez de frutos, a queimada. Ai da alma, se seu Senhor, o Cristo, nela não habitar! Abandonada, encher-se-á com o mau cheiro das paixões, virará moradia dos vícios.

O agricultor, indo lavrar a terra, deve pegar os instrumentos e vestir a roupa apropriada para o trabalho; assim também Cristo, o rei celeste e verdadeiro agricultor, ao vir à humanidade, deserta pelo vício, assumiu um corpo e carregou, como instrumento, a cruz.

Lavrou a alma desamparada, arrancou-lhe os espinhos e abrolhos dos maus espíritos, extirpou a cizânia do pecado e lançou ao fogo toda a erva de suas culpas. Tendo-a assim lavrado com o lenho da cruz, nela plantou maravilhoso jardim do Espírito, que produz toda
espécie de frutos deliciosos e agradáveis a Deus, seu Senhor.



quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Exaltemos a Santa Cruz


Na próxima sexta-feira, dia 14, a Igreja celebra a festa da exaltação da Santa Cruz. Parece estranho louvar-se a  Cruz, quando todos nós nos sentimos chamados à vida e a cruz instrumento de martírio. Qual o sentido da cruz? Santo Agostinho, no seu tratado sobre os salmos, exclama: “Vede, ó cristãos, a glória da cruz. Já fulgura na fronte dos reis aquela que os inimigos insultaram. Já as maravilhas que realiza provam a força divina que nela reside. Venceu a terra inteira sem espada, venceu-a o lenho da cruz”.

O sangue redentor de Cristo santificou aquela madeira sagrada e por ela venceu a morte e nos conduz a todos à ressurreição cujas portas Ele nos abriu, como pioneiro(Cf. 1Cor.15, 20-23,) rasgando o seio da terra e subindo glorioso na sua natureza humana para junto do Pai.

Enquanto homens, descendentes de Adão, todos nós sofremos a dor e a morte. A isso não podemos fugir. E nossa libertação passa pelo seguimento de Jesus. A opção pelo seu caminho exige que assumamos a nossa condição e a superemos pela renuncia e sacrifício para caminharmos em direção à Luz.  “
Aquele que não carrega a sua cruz e não me segue não pode ser meu discípulo” (Cf. Lc 14, 27)

Por que então temer pegar a cruz, pela qual se vai ao Reino, pergunta a Imitação de Cristo. Na Cruz está a salvação, na cruz está a vida, a força e a perfeição, enquanto que é por ela que, pela graça, podemos superar a condição de pecado em que nascemos até nos conformarmos inteiramente com Cristo.

Estranha condição a nossa. Vivemos presos a este mundo que arrasta a nossa vida para a matéria que desaparece com o tempo. Não nos apercebemos que podemos ir para onde quisermos, procurar qualquer caminho e não nos libertaremos das dores da morte. As alegrias são fugazes e os prazeres tem o seu fim tão rápido quanto o pulsar dos relógios.

São amarras que prendem nossa vida de espírito. Temos ânsia de Deus, da felicidade suprema, mas sentimos em nossos membros o peso que nos arrasta para as concupiscências, de que fala São Paulo: “
Quem me libertará deste corpo do pecado?” (Cf. Rm. 7,24). Quem cortará o laço opressor, que nos constrange e a que nos apegamos mais que ao seio materno antes de virmos a este mundo?

Somente a cruz redentora de Cristo nos libertará, se a abraçarmos com amor e generosidade. Nela podemos nos gloriar, porque nela a salvação e a vida e a ressurreição.(Cf. Gal.6,14).

A vida terrestre e sua glória foge-nos sempre até desaparecer nas vascas da morte. Mas a vida do espírito, que é informada pela cruz, esta, iniciada, jamais acabará: “
Os desejos da carne levam à morte, ao passo que os desejos do Espírito levam à vida e à paz”(Cf. Rom 8,6).

No Evangelho de São João, no diálogo com Nicodemos Jesus nos fala: “
Assim como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado a fim de que todo aquele que crê tenha por meio dele a vida eterna”(Cf. Jo. 3.14-15).

Toda a redenção do universo quis o Pai que passasse pela cruz. É por ela que o mundo será salvo. De instrumento de martírio e de morte para os mais rejeitados pelo mundo, quis Deus torná-la meio de salvação pela morte de seu Filho. Veneremos e exaltemos com toda a Igreja este sinal glorioso que aparecerá nos céus entre as nuvens quando o Filho virá julgar os vivos e os mortos para oferecer ao Pai todo o universo nele, em Cristo, restaurado.

Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO 
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.