segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Ai da alma em que não habita Cristo

Deus outrora, irritado contra os judeus, entregou Jerusalém como espetáculo aos gentios; e foram dominados por aqueles que os odiavam; não havia mais festas nem oblações.De igual modo, irado contra a alma por ter transgredido o mandamento, entregou-a aos
inimigos que a seduziram e a deformaram.

Se uma casa não for habitada pelo dono, ficará sepultada na escuridão, desonra, desprezo, repleta de toda espécie de imundícia. Também a alma, sem a presença de seu Deus, que nela jubilava com seus anjos, cobre-se com as trevas do pecado, de sentimentos
vergonhosos e de completa infâmia.

Ai da estrada por onde ninguém passa nem se ouve voz de homem! Será morada de
animais. Ai da alma, se nela não passeia Deus, afugentando com sua voz as feras espirituais da maldade! Ai da casa não habitada por seu dono! Ai da terra sem o lavrador que a cultiva!
Ai do navio, se lhe falta o piloto; sacudido pelas ondas e tempestades do mar, soçobrará! Ai da alma que não tiver em si o verdadeiro piloto, o Cristo! porque lançada na escuridão de mar impiedoso e sacudida pelas ondas das paixões, jogada pelos maus espíritos como em
tempestade de inverno, encontrará afinal a morte.

Ai da alma se lhe falta Cristo, cultivando-a com diligência, para que possa germinar os bons frutos do Espírito! Deserta, coberta de espinhos e de abrolhos, terminará por encontrar, em vez de frutos, a queimada. Ai da alma, se seu Senhor, o Cristo, nela não habitar! Abandonada, encher-se-á com o mau cheiro das paixões, virará moradia dos vícios.

O agricultor, indo lavrar a terra, deve pegar os instrumentos e vestir a roupa apropriada para o trabalho; assim também Cristo, o rei celeste e verdadeiro agricultor, ao vir à humanidade, deserta pelo vício, assumiu um corpo e carregou, como instrumento, a cruz.

Lavrou a alma desamparada, arrancou-lhe os espinhos e abrolhos dos maus espíritos, extirpou a cizânia do pecado e lançou ao fogo toda a erva de suas culpas. Tendo-a assim lavrado com o lenho da cruz, nela plantou maravilhoso jardim do Espírito, que produz toda
espécie de frutos deliciosos e agradáveis a Deus, seu Senhor.



quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Exaltemos a Santa Cruz


Na próxima sexta-feira, dia 14, a Igreja celebra a festa da exaltação da Santa Cruz. Parece estranho louvar-se a  Cruz, quando todos nós nos sentimos chamados à vida e a cruz instrumento de martírio. Qual o sentido da cruz? Santo Agostinho, no seu tratado sobre os salmos, exclama: “Vede, ó cristãos, a glória da cruz. Já fulgura na fronte dos reis aquela que os inimigos insultaram. Já as maravilhas que realiza provam a força divina que nela reside. Venceu a terra inteira sem espada, venceu-a o lenho da cruz”.

O sangue redentor de Cristo santificou aquela madeira sagrada e por ela venceu a morte e nos conduz a todos à ressurreição cujas portas Ele nos abriu, como pioneiro(Cf. 1Cor.15, 20-23,) rasgando o seio da terra e subindo glorioso na sua natureza humana para junto do Pai.

Enquanto homens, descendentes de Adão, todos nós sofremos a dor e a morte. A isso não podemos fugir. E nossa libertação passa pelo seguimento de Jesus. A opção pelo seu caminho exige que assumamos a nossa condição e a superemos pela renuncia e sacrifício para caminharmos em direção à Luz.  “
Aquele que não carrega a sua cruz e não me segue não pode ser meu discípulo” (Cf. Lc 14, 27)

Por que então temer pegar a cruz, pela qual se vai ao Reino, pergunta a Imitação de Cristo. Na Cruz está a salvação, na cruz está a vida, a força e a perfeição, enquanto que é por ela que, pela graça, podemos superar a condição de pecado em que nascemos até nos conformarmos inteiramente com Cristo.

Estranha condição a nossa. Vivemos presos a este mundo que arrasta a nossa vida para a matéria que desaparece com o tempo. Não nos apercebemos que podemos ir para onde quisermos, procurar qualquer caminho e não nos libertaremos das dores da morte. As alegrias são fugazes e os prazeres tem o seu fim tão rápido quanto o pulsar dos relógios.

São amarras que prendem nossa vida de espírito. Temos ânsia de Deus, da felicidade suprema, mas sentimos em nossos membros o peso que nos arrasta para as concupiscências, de que fala São Paulo: “
Quem me libertará deste corpo do pecado?” (Cf. Rm. 7,24). Quem cortará o laço opressor, que nos constrange e a que nos apegamos mais que ao seio materno antes de virmos a este mundo?

Somente a cruz redentora de Cristo nos libertará, se a abraçarmos com amor e generosidade. Nela podemos nos gloriar, porque nela a salvação e a vida e a ressurreição.(Cf. Gal.6,14).

A vida terrestre e sua glória foge-nos sempre até desaparecer nas vascas da morte. Mas a vida do espírito, que é informada pela cruz, esta, iniciada, jamais acabará: “
Os desejos da carne levam à morte, ao passo que os desejos do Espírito levam à vida e à paz”(Cf. Rom 8,6).

No Evangelho de São João, no diálogo com Nicodemos Jesus nos fala: “
Assim como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado a fim de que todo aquele que crê tenha por meio dele a vida eterna”(Cf. Jo. 3.14-15).

Toda a redenção do universo quis o Pai que passasse pela cruz. É por ela que o mundo será salvo. De instrumento de martírio e de morte para os mais rejeitados pelo mundo, quis Deus torná-la meio de salvação pela morte de seu Filho. Veneremos e exaltemos com toda a Igreja este sinal glorioso que aparecerá nos céus entre as nuvens quando o Filho virá julgar os vivos e os mortos para oferecer ao Pai todo o universo nele, em Cristo, restaurado.

Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO 
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Em tua imensa misericórdia, toda a minha esperança!


O Ano da Fé
O tempo passa, estamos praticamente no meio do ano, nos aproximamos do Ano da Fé, instituído pelo santo padre e que terá início em outubro.
No intuito de já nos prepararmos para esse grande evento tão urgente e necessário diante da realidade tão dura do secularismo, até mesmo do paganismo instalado em nossa sociedade, gostaria de trazer para nossa meditação e alimento espiritual um dos mais belos textos de S. Agostinho, um dos maiores convertidos da história do cristianismo.


Dos Livros das Confissões, de Santo Agostinho, bispo
(Lib. 10,26.37–29,40; CCL 27,174-176)
(Séc.V)

Em tua imensa misericórdia, toda a minha esperança
Onde te encontrei, Senhor, para te conhecer? Não estavas certamente em minha
memória antes que eu te conhecesse.

Onde então te encontrei para te conhecer, a não ser em ti, acima de mim? Não é propriamente um lugar. Afastamo-nos, aproximamo-nos e não é um lugar. Em toda parte, ó Verdade, presides a todos que vêm com diferentes consultas.

Com clareza respondes, porém, nem todos ouvem com clareza. Todos perguntam o que querem e nem sempre ouvem o que querem. Ótimo servo teu é quem não espera ouvir de ti o que desejaria, mas antes quer aquilo que de ti ouve.

Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Estavas dentro e eu fora te procurava. Precipitava-me eu disforme, sobre as coisas formosas que fizeste. Estavas comigo, contigo eu não estava. As criaturas retinham-me longe de ti, aquelas que não existiriam se não estivessem em ti. Chamaste e gritaste e rompeste a minha surdez.
Cintilaste, resplandeceste e afugentaste minha cegueira. Exalaste perfume, aspirei-o e anseio por ti. Provei, tenho fome e tenho sede. Tocaste-me e abrasei-me no desejo de tua paz.

Quando me uno a ti com todo o meu ser, não há em mim dor nem fadiga. Viva será minha vida, toda repleta de ti. Agora ergues o que de ti está repleto. Como ainda não estou pleno de ti, sou um peso para mim. Lutam minhas lamentáveis alegrias com as tristezas deleitáveis. De que lado estará a vitória, não sei.

Ai de mim, Senhor! tem piedade de mim. Lutam minhas más tristezas com as boas alegrias e não sei quem vencerá. Ai de mim, Senhor! Tem piedade de mim! Ai de mim!
Bem vês que não escondo minhas chagas. És o médico; eu, o doente. És misericordioso; eu, o miserável.

Não é verdade que a vida humana na terra é uma tentação? Quem deseja pesares e dificuldades? Ordenas tolerá-los, não amá-los. Ninguém ama aquilo que tolera, mesmo se gosta de tolerar. Embora alegre-se por tolerar, prefere não ter que tolerá-lo. Na adversidade desejo a felicidade; na felicidade temo a adversidade. Que meio termo haverá onde a vida humana não seja uma tentação? Ai da felicidade do mundo, uma e duas vezes, pelo temor da adversidade e pela caducidade da alegria! Ai das adversidades do mundo, pelo desejo da felicidade! A adversidade é dura e faz naufragar a tolerância.
Não é verdade que é uma tentação a vida humana sobre a terra? Em tua imensa misericórdia ponho toda a minha esperança.